sábado, 24 de abril de 2010

Um pé no fundo do mar...

Navegando pela história do meu querido país de fundação e passado acutilantes, descobri que, chegados a Abril de 2010, determinou-se que oferecer 200000 euros a um político para influenciar a sua decisão sobre determinado assunto não é crime.

Reza a história de tal acontecimento que o acto em causa “não preenche a factualidade típica do crime de corrupção activa de titular de cargo político”.

"Típica"?

"Típica"??

...

"Típica"??????????????????????????

Ahhh.. então é isso, está tudo bem e somos todos bons rapazes, honestos e inocentes, porque não seguimos o procedimento típico!

Quais torres eólicas e Magalhães (desculpa Fernão, não é para ti), na ?justiça? sim, estamos, de facto, na vanguarda da inovação!

Deixo, peço desculpa pela linguagem, a minha opinião sincera sobre o assunto:

Foda-se! 
Mas o que é isto?!?


sexta-feira, 23 de abril de 2010

Em homenagem à Bandeirinha:)


Calçada de Carriche
António Gedeão


Luísa sobe, sobe a calçada,
sobe e não pode que vai cansada.

Sobe, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe sobe a calçada.

Saiu de casa

de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.

Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.

Luísa é nova,

desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.

Anda, Luísa. Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.

Passam magalas,

rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.

Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.

Chegou a casa

não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.

Anda, Luísa. Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.

Na manhã débil,

sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa, larga que larga [x 4]
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa, larga que larga [x 4]

Regressa a casa

é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.

Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada [x 3]

Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O dia em que juntei Bocage, Celia Cruz e um informático.

Era dia de ligações improváveis.
Era dever de cada um levar a sua.
Uma ideia prévia irrompeu-me a mente, levar o relato do momento em que, Português, a trabalhar na Bélgica, almocei na Alemanha com um Dinamarquês, residente em Londres, colega de um Brasileiro com quem tinha uma vez jantado, em Kent, nos tempos que vivi em França.

Mas... seria apenas o relato de um momento... ainda que o representasse, o mais provável seria ter pouca pontuação na encenação e impacto visual. Para não falar que já o tinha vivido, prejudicar-me-ia também a improbabilidade. Queria fazer boa figura!

Decidi então partir.
Saí do Lima, atravessei Douro, Mondego e Tejo, parei em Setúbal. Levaria o seu mais distinto representante! "Onde queres ir Manuel?", perguntei-lhe. Leva-me a voar, nunca o experimentei em vida, atravessemos o oceano, leva-me à cidade das colunas, mostra-me a sua catedral e a sua praça, o seu capitólio, o encanto das suas avenidas. "E quem traremos de lá?" A Celia, claro! Se é para fazer boa figura, levemos a Rainha!

Regressámos em cima da hora, tinhamos já pouco tempo até ser a nossa vez. Um informático. Pedi-lhe para se juntar a nós, vir também.

Ay, no ha que llorar, que la vida es un carnaval,
es mas bello vivir cantando.
Oh, oh, oh, Ay, no hay que llorar,
que la vida es un carnaval
y las penas se van cantando...

era Celia que irrompia pelo palco, cantava, dançava, vibrava... oh oh oh ay... o público levanta-se e aplaudia de pé, a rainha da salsa retirava-se deixando-nos todo o seu eterno açucar

Se é doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias, e os verdores...

tinha ainda frescos os seus poemas, declamou um, depois outro, mais outro, parou de repente, pediu um café, o "dele", de sempre, aHH! espanto! eram agora frases que o substituíam! os eternos pacotinhos amarelos tinham perdido o seu rosto!

Entrou em cena o informático, confusão, estranheza, olhares que se cruzaram, ombros que se encolheram, sobrancelhas que se franziram, inquietaram-se as mentes, falou de complexidades, teorias, semânticas, pelo meio, de permeio, de açúcar sintáctico!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Contemplating the Void


Contemplating the Void é uma iniciativa do Museu Guggenheim NY que reuniu cerca de duas centenas de propostas para um novo viver da sua rotunda. Entre as propostas recolhidas, dois Portugueses, Paulo David e Álvaro Siza Vieira; roubo do Público as descrições de ambos do seu trabalho; acrescento as ligações directas onde os encontrar.

[...]a proposta de Álvaro Siza não acrescenta, não exacerba, não manipula ao ponto de tornar o espaço original irreconhecível. "Ele é de uma tal beleza", diz por telefone. "Não ia fazer essa maldade." O arquitecto português propõe a colocação de um espelho gigante de curvas reentrantes, invertidas em relação às da espiral de Wright, no átrio do museu. O espelho reflecte a parte de cima do edifício - a cúpula de cristal -, como se o virasse do avesso.
Comparada com outras, a intervenção de Siza parece um caso de humildade: reforça o que já existe, originalmente, no espaço. "Não gosto muito dessa interpretação de humildade", defende o arquitecto. "Gostaria de ser humilde em absoluto. Não é verdade. Por outro lado, é extremamente ambicioso porque [a minha proposta] permite reforçar o ideal que está presente naquela obra - o de um espaço total, sem princípio nem fim." Álvaro Siza explica que quem entra naquele edifício "tem a sugestão da esfera", "uma impressão de totalidade". Claro que a continuidade total não é possível: "Quando chega lá acima, a rampa termina de forma quase frustre", nota, "vai por ali fora e de repente faz uma curvazinha e acaba". Mas o seu jogo de espelhos contraria isso, completa esse ideal de totalidade.


Paulo David define a sua intervenção como "um gesto muito simples". Através de uma projecção de vídeo, propõe escurecer o interior do edifício até obter uma luz azul, "como se estivéssemos num ambiente submerso". Ao mesmo tempo, o lado exterior do corrimão da rampa é convertido num ecrã sobre o qual é projectado um feixe de luz que percorre toda a espiral. Paulo David explica que a ideia lhe foi sugerida pela dinâmica descendente da espiral, que evocou nele "um grande movimento de água". A par disso, inspirou-se noutra obra referencial de Wright com uma forte presença da água: a Casa da Cascata, construída em 1937, na Pensilvânia. Assume que não quis fazer uma intervenção arquitectónica. "O que nos entusiasmou aqui foi não ser arquitecto. Usar o edifício para uma intervenção artística." E diz que parte do mesmo gesto que Siza: a sua proposta é "realizável, mas não toca no edifício." "Há um carácter de respeito e de atenção ao próprio edifício. Uma espécie de pisar leve."

Porque vale a pena uma visita, todo o projecto aqui.